Começo com uma reflexão. Por que ouvimos com frequência que a agropecuária contribui com a escassez hídrica? Por que esse mito é distribuído aos quatro ventos sem questionamentos? Ora, se é na propriedade rural que as chuvas caem de modo que possam infiltrar no solo e darem sequência ao ciclo hidrológico, ali está o maior motor de produção de água existente no âmbito das atividades humanas. Estou falando do produtor rural – esse digno cidadão quase sempre pouco conhecido – que alimenta as cidades e faz o correto manejo do solo para produzir água.
Isso não significa que a quantidade total de água no planeta aumenta pelas mãos do produtor rural. Tampouco diminui. Essa quantidade é estável há milhões de anos. O que observo de perto, como produtor rural, e junto a outros colegas produtores, é que, com boas práticas de manejo, a água que infiltra é também filtrada pelo solo, retornando de maneira lenta e limpa ao lençol freático, alimentando rios e nascentes ao longo do ano.
Por exemplo, evitar erosão é não ter perda de solo fértil, é ter água disponível para as raízes das plantas por mais tempo, é propriedade mais verde e mais sustentável.
Além disso, há dados científicos que comprovam que a agricultura contribui para reciclar água de boa qualidade e que não há relação entre a agricultura e a escassez hídrica. O pesquisador Lineu Rodrigues, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados e pós-doutor em engenharia de irrigação e manejo de água pela Universidade de Nebraska, demonstrou isso. Ele fez um estudo junto à Universidade Federal de Viçosa sobre agricultura no Bioma Cerrado.
Nesse estudo, ficou provado que, se toda área de Cerrado brasileiro tivesse a vegetação nativa original, a recarga do lençol freático seria de 26%. Nesse estudo provou-se que, se essa mesma área fosse plantada com soja, a recarga seria de 46,4%, portanto, muito maior. A partir daí, conclui-se que a agricultura absolutamente não é a vilã dessa história.
É claro que não estou querendo dizer que o bioma deva ser substituído, mas apenas trazendo à luz argumentos científicos que corroboram o mito do qual falei no início. Há, também, outros estudos, como o da Universidade Federal de Santa Maria (RS) que mostram como as lavouras de arroz filtram a água que entra no solo, devolvendo um recurso de melhor qualidade.
Você sabe para onde iria toda essa água sem o trabalho do produtor rural? Ela iria escoar rapidamente para os fundos de vales, potencializando picos de cheia de rios que, com a terra arrastada, teriam menor capacidade de volume, causando enchentes, aumentando os problemas de saúde pública, com maior contato das pessoas com lixo e esgoto. Como acontece nas cidades.
A demanda está aumentando; a quantidade, não. Nós, produtores rurais, estamos devolvendo água limpa ao meio ambiente de forma lenta e contínua. Nossa produção é a céu aberto, e a chuva faz parte desse processo, bem como a irrigação, contribuindo fortemente para a segurança alimentar no mundo. Esse trabalho relaciona-se direta e indiretamente a todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Como produtor rural e presidente do Sistema Faemg Senar, tenho orgulho de dizer que temos ações relacionadas à conservação de solo e água, somos parceiros em diversos projetos do Produtor de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA), em Minas, e continuaremos nessa missão, ampliando ainda mais o nosso trabalho sob a ótica da produção sustentável.
Estamos no Brasil, país tropical com 12% das águas-doces do mundo. E tenho certeza de que, com uma melhor gestão da água e tecnologias apropriadas, nosso país e Minas Gerais, com o apoio do produtor rural mineiro, tem plenas condições de se tornar exemplo para o mundo, se já não o somos.
Antônio Pitangui de Salvo é Engenheiro agrônomo e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais
Artigo Publicado no jornal O TEMPO (todos os direitos reservados)
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