Criado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) com o objetivo de incentivar o consumo de lácteos, o Dia Mundial do Leite, comemorado em 1º de junho, completou 15 anos. E os dados comprovam que a estratégia tem surtido o efeito esperado.
De acordo com a Associação Leite Brasil, na última década e meia a taxa de crescimento do consumo de leite e derivados foi de 4,63% ao ano. A principal razão está no comportamento do poder de compra do consumidor no período, que viu o salário mínimo aumentar 480%. Enquanto em 2000 era possível comprar 147 litros de leite com um salário, em 2015 o poder de compra chegou a 258 litros. “O nível de renda da população é considerado um dos principais fatores condicionantes do consumo de leite e derivados, seguido pelo preço dos produtos lácteos e de eventuais concorrentes”, explica Jorge Rubez, presidente da organização.
Na ponta da cadeia, os produtores ganharam com uma melhor organização do setor, o que permitiu que a produção brasileira crescesse a uma taxa anual de 4,1% acima do crescimento populacional de 0,8%. Este crescimento da produção, aponta Paulo do Carmo Martins, chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, se deu essencialmente pelo aumento da produtividade. “Antes, a produção de leite crescia mais em função de um maior número de cabeças no rebanho do que pelo aumento da produtividade dos fatores de produção. Essa mudança é resultado da melhoria genética dos animais e das pastagens, do investimento em gestão e da adoção de boas práticas em parte significativa das propriedades leiteiras”, enumera.
Em termos de inovação, Martins diz que a genômica e a nanotecnologia estão revolucionando o modo como os produtores passarão a escolher os melhores animais, as pastagens e a melhor forma de tratar o rebanho das doenças. “É uma revolução silenciosa, que está apenas começando”, adianta.
Produção
Dados da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) apontam que o país tem produção estimada em 36 bilhões de litros por ano e ocupa a quarta posição no ranking mundial. Minas Gerais é o maior produtor nacional de leite, com 9,6 bilhões de litros que representam 27% do total. O valor bruto da pecuária leiteira em 2015 ficou estimado em R$ 8 bilhões e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado detém um rebanho efetivo de 5,9 milhões de vacas ordenhadas, com produtividade média de 1.612 litros por animal ao ano. Já Goiás, outra importante bacia leiteira da CCPR (Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais), ocupa a quarta posição no ranking dos estados, com produção de 3,6 bilhões de litros e participação de 10,5% da produção nacional.
Do montante de R$ 1,238 trilhão do PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio brasileiro em 2015 – indicador que mede a geração de riquezas em todas as cadeias do setor agropecuário, desde a produção de insumos até as indústrias de alimentos, passando pela produção nas fazendas -, o PIB da pecuária de leite foi responsável por R$ 52,2 bilhões.
A Fazenda Cayuaba, com área total de 231 hectares em Entre Rios de Minas, município a 124 km de Belo Horizonte, é uma das propriedades que contribuem para impulsionar a atividade leiteira do país. Administrada pelo médico veterinário Fernando Andrade Garcia e por sua esposa, Patrícia, a fazenda entrega, em média, 3.700 litros de leite por dia para a Cooperativa Agropecuária de Conselheiro Lafaiete (Cooperlaf), associada ao Sistema CCPR/Itambé.
Com animais e estrutura de ponta – a fazenda utiliza free stall desde 1993 -, o produtor diz que a média de produção se manteve estável nos últimos 15 anos por opção da família. “Utilizamos 140 hectares para o leite. Nesse período, destaco a substituição do Girolando pelo Holandês, que foi ocorrendo de forma gradual, e a construção em 2006 do segundo galpão de free stall, com capacidade para 132 animais, como as mudanças mais significativas da propriedade. Mas na condição de veterinário, avalio que para muitas fazendas houve um salto significativo no acesso a equipamentos e genética, que contribuíram para o aumento da produção e melhoria da qualidade da matéria-prima”, opina.
Pai de Felipe, de nove, e de Bruno, de cinco anos, Garcia considera que o seu papel na cadeia “é produzir leite de qualidade.” “Repare no sabor do iogurte de morango da Itambé, é o mesmo há anos. Sabe por quê? Porque existe padrão de qualidade, da produção do leite à fabricação do produto”, propagandeia.
Quando perguntados sobre o que querem ser quando crescerem, Felipe responde: “médico veterinário”. E Bruno: “tratorista”. Mas o irmão o corrige: “Na verdade, ele quer ser agricultor”. Sorridente, o pai emenda: “ver meus filhos interessados, com o nome de cada uma das vacas na ponta da língua me enche de orgulho e felicidade. Saber que terei sucessores me tranquiliza e me estimula a continuar.”
Apoio e incentivo ao produtor
Uma das maiores das captadoras de leite do país, com cerca de 100 milhões de litros que chegam todos os meses às cinco fábricas da Itambé, a CCPR tem atuação em mais de 300 municípios em Minas Gerais, Goiás e no Rio Grande do Sul. Acompanhando as transformações que ocorreram no mercado nos últimos anos, a Cooperativa Central também viu seu número de associados diminuir e a produção aumentar.
Em 2000, a CCPR reunia 9,3 mil cooperados que respondiam pela produção anual de 765 milhões litros de leite. Quinze anos depois, o quadro social passou a contar com 6 mil produtores e 1,3 bilhão de litros produzidos. Essa mudança de cenário, analisa Jacques Gontijo, presidente da CCPR, ocorreu em função da profissionalização da atividade, que chegou acompanhada pelo aumento de volume da produção.
De acordo com o presidente, na medida em que o produtor começou a encarar a fazenda como uma empresa, que como todas as outras precisa não apenas pagar as contas, mas ser lucrativa, passou a investir mais em gestão. “Como forma de colaborar com esta preparação do produtor, há vários anos investimos em programas de assistência técnica que têm por objetivo levar informações e ferramentas que contribuam para a melhoria do seu negócio. Para viabilizar os projetos, contamos com parceiros importantes como a Embrapa, Sebrae, Faemg e universidades, entre outros.”
Dos avanços conquistados nos últimos anos, Gontijo destaca a melhoria da qualidade e lembra que a CCPR foi uma das pioneiras no sistema de pagamento diferenciado. “Desde 1991 trabalhamos com um sistema de pagamento que premia os cooperados pela qualidade e nutrientes do leite que produzem. Ficamos muito satisfeitos porque ao longo dos anos notamos que houve uma melhoria substancial na qualidade e isso se reflete nos produtos que ofertamos aos consumidores”, pontua.
Rodrigo Alvim, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA e da Câmara Técnica Setorial de Leite do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), compartilha da opinião de Gontijo e também considera a melhoria da qualidade como um ponto que merece ser comemorado. “O maior motivo para comemorar no Dia Mundial do Leite é a alta qualidade que encontramos hoje no próprio leite, alimento tão completo e indispensável à vida que deveria ser celebrado todos os dias. No entanto, datas comemorativas são sempre importantes oportunidades de divulgação. São momentos para valorizarmos o produto, o trabalho dos produtores e da indústria, e de levarmos ao consumidor informações que promovam cada vez mais o consumo”, diz o também diretor da FAEMG.
Importância nutricional
O leite e seus derivados são a principal fonte de cálcio da alimentação humana e uma boa ingestão deste mineral é fundamental para a manutenção da saúde óssea. Sendo assim, o consumo de produtos lácteos adquire maior importância para pessoas em fase de crescimento, crianças e jovens, e para o grupo com maior risco de perda de massa óssea e osteoporose, caso dos idosos e mulheres no período de climatério. A definição é do presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais, Márcio Lauria.
Além do cálcio, o leite in natura é composto pelas vitaminas A, do complexo B, C, D, E e K. O endocrinologista Paulo Augusto Carvalho Miranda reforça que o leite é um alimento completo em termos nutricionais, fonte também de carboidratos, gordura e proteína, “mas em proporções que variam de acordo com o derivado.” “Devemos lembrar que 87% da composição do leite é água e que, portanto, ele ainda auxilia na hidratação”, acrescenta.
Os dois especialistas avaliam que as linhas especiais, que vêm ganhado cada vez mais importância no mercado, representam uma conquista para o consumidor. “As versões modificadas do leite e seus derivados atendem às individualidades das pessoas e assim fica garantida a possibilidade de consumo, respeitada a limitação específica, de um alimento extremamente nutritivo”, explica Miranda. “Mas a prescrição desses produtos deve ser sempre feita por um profissional capacitado para este fim”, alerta Lauria.
Indústria
Uma das marcas mais lembradas pelos consumidores brasileiros, a Itambé saltou de um faturamento de R$ 600 milhões/ano em 2001 para mais de R$ 3 bilhões em 2015. As exportações para países como a Tunísia, Rússia, EUA, Paraguai, Chile e Angola Venezuela renderam à empresa a posição de maior exportador de lácteos do país no ano passado.
A Itambé produz por mês 44 mil toneladas de um mix que reúne mais de 100 produtos e o maior faturamento está na linha de leite em pó, que detém 40% do total. Apostando no sucesso das linhas especiais e no lançamento de mais 15 produtos até o fim do ano, o presidente da companhia, Alexandre Almeida, estima fechar 2016 com crescimento da ordem de 20%. “Apesar do momento conturbado na economia e na política, nossa previsão é positiva. Acreditamos que em momentos de dificuldades é que se aproveitam as oportunidades.”