A valorização do real pegou a indústria brasileira de surpresa. Soou como “presente de grego” a depreciação do dólar desde o início do ano, que empurra para baixo a competitividade das empresas nacionais, tanto no mercado externo quanto no interno.
Neste ano, a moeda americana saiu do patamar próximo de R$ 4,20, em janeiro, para R$ 3,14, ontem. A queda de aproximadamente 25% na cotação jogou uma ducha de água fria no setor produtivo, que, apostando na continuidade da alta do dólar ante o real do ano passado, promoveu uma reorganização e passou a enxergar o mercado externo como válvula de escape para uma das mais profundas crises econômicas, senão a mais profunda, da história do Brasil.
Entre os empresários, o sentimento é um misto de frustração e preocupação.
“Depois de um período terrível, começamos a experimentar uma fase de mudança, com um dólar mais favorável. A moeda estava ajudando, inclusive, na exportação de manufaturados, que são produtos com maior valor agregado. Mas infelizmente esse alívio foi interrompido”, diz o presidente do Conselho de Política Econômica da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Lincoln Gonçalves Fernandes.
Segundo ele, muitas empresas fizeram planos imaginando que o dólar estivesse muito mais próximo de R$ 4 do que dos R$ 3, como hoje.
“A valorização do real corrói o resultado das exportações, especialmente em um cenário de desestruturação do parque (fabril) brasileiro”, afirma. No primeiro semestre do ano, a indústria mineira acumula um tombo de 11% no faturamento.
Para Fernandes, também não “cola” o discurso de que o câmbio sirva de instrumento de controle inflacionário. “Tenho ouvido isso de entes do governo Temer. Mas isso é perigoso. Na verdade, o dólar nesse patamar gera uma perda do potencial de retomada do emprego”, diz.
O presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de Minas Gerais (Sindimalhas), Flávio Roscoe, também condena a desvalorização da moeda americana frente ao real.
“Isso é péssimo porque sofremos dos dois lados. Perdemos espaço lá fora para o produto da China, nosso principal concorrente, e também perdemos o clientes no nosso próprio mercado”, lamenta. O planejamento financeiro das companhias também é prejudicado, uma vez que os preços calculados e feitos nas pré-vendas são afetados.
O setor agropecuário é um dos poucos na indústria que vê algum ponto positivo no dólar mais “baixo”.
“Há uma perda de valor nas exportações, mas ao mesmo tempo conseguimos importar insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, por um preço melhor”, diz a coordenadora da Assessoria Técnica da FAEMG, Aline Veloso.
Como o momento é de colheita de café nas cidades mineiras, a recomendação aos produtores é escalonar a comercialização.
Produtos importados e viagens internacionais ficam mais baratos
Se o real valorizado atinge em cheio a indústria e as exportações, do carrinho de compras às férias, a expectativa para o consumidor é de refresco no bolso.
Para o superintendente da Amis (Associação Mineira dos Supermercados), Antônio Claret, o dólar em patamar mais próximo de R$ 3 interfere não só no valor do produto importado, como também de seus similares nacionais e daqueles produzidos com insumos importados.
“A farinha de trigo, por exemplo, é praticamente toda importada. Como está presente em vários produtos, o dólar alto pressiona os preços em série”, diz.
Na lista do supermercado, Claret cita ainda lácteos, azeites, azeitonas e condimentos como produtos que sofrem interferência direta do câmbio. Até o feijão, que virou símbolo da inflação, poderia ficar menos salgado.
“O governo Temer autorizou a importação de feijão para aumentar a oferta no mercado interno, mas com o dólar elevado a medida não surtiu efeito. Se na época a cotação estivesse mais favorável, isso teria ajudado a reduzir o preço para a dona de casa”, afirma.
O superintendente da Amis diz ainda que a cotação em níveis mais baixos é apreciada por quem aprendeu a levar pra a adega vinhos importados. “Se continuar assim, os preços das bebidas importadas tendem a cair”
Jornal Hoje em Dia