O grosso da colheita do café, principal commodity do agronegócio de Minas Gerais, começa neste mês com uma péssima notícia para os produtores, sobretudo os donos de lavouras em montanhas, onde o custo é maior que nas regiões planas: o preço médio da saca de 60 quilos, que atualmente oscila entre R$ 430 e R$ 440, está abaixo do valor considerado como o ponto de equilíbrio. “Deveria ser de R$ 500. Ouso dizer que não há margem de lucro. O produtor está perdendo”, calcula Breno Mesquita, presidente do Conselho do Café tanto na CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) quanto da FAEMG.
Ele reivindica a liberação de financiamento por parte do governo para a colheita, no que chama de época certa, sob o risco de o preço da saca ficar ainda menor. “O que esperamos é justamente a liberação dos recursos para colheita, para estocagem… Descapitalizado, o que o produtor faz? Vende o café a preço baixo. O financiamento tem que chegar na hora certa. Se o cafeicultor começar a vender (a produção para pagar custo), uma vez que está sem recurso, o valor abaixa mais ainda”, lamenta.
O preço abaixo do ideal fica mais amargo em razão da quebra das últimas safras, devido à forte estiagem em todo o país. Para 2015, que deveria ser o ano com colheita maior do que a anterior (lembrando que a cultura é marcada pela bianualidade – revezando anos de forte produção com os de colheita fraca), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimou a safra abaixo da registrada em 2014.
A previsão ficou em 42.525.683 de sacas de 60 quilos em todo o país, volume 5,8% inferior ao total do exercício anterior. Do total previsto para este ano, 31,3 milhões de sacas serão da variedade arábica, cujo maior produtor é Minas Gerais. “Deveria ser o ano de ciclo alto. As árvores não cresceram, como deveriam em razão da estiagem. Sou produtor há 33 anos e nunca vi um período de seca como este. A grande dúvida é se haverá reflexo na colheita de 2016”, alertou Mesquita.
Saída nos grãos especiais
Quando os irmãos Sebastião Afonso da Silva, de 53 anos, e Antônio Márcio, de 64, decidiram colher o grão tipo arábica no sítio Baixadão, em Cristina, na Serra da Mantiqueira, Sul de Minas Gerais, eles tinham certeza de que aquela lavoura, a 1.350 metros de altitude, era diferenciada: as 17 sacas venceram o Cup of Excellence Naturals com 95,18 pontos, a maior pontuação da história do certame, criado em 2000 e organizado pela BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), em parceria com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Alliance for Coffee Excellence (ACE) e Sebrae. O recorde pertencia a um produtor de Carmo de Minas, na mesma região, e cuja nota foi 92,22.
No início do mês, num leilão promovido pelos organizadores do concurso, a Starbucks Coffee Trading Company pagou US$ 3.148 – o equivalente a R$ 9.384 pelo câmbio do dia (R$ 2,981) – por sacas de 60 quilos (eram 17). Os cafés especiais são aqueles que atingem o mínimo de 80 pontos, numa escala de zero a 100, nas análises de entidades internacionais. O preço de cada saca desse tipo de grão rende, em média, 30% a mais que os tradicionais, o que representa uma forma de agregar valor à produção quando o preço pago pela commodity não é suficiente para cobrir os custos das lavouras. Os lotes que vencem concursos conseguem ágio acima de 1.000%, por causa da oferta limitada e diferenciada. Os certames levam em conta a fragrância, a uniformidade, o sabor, a acidez e outras características da bebida.
“Essa lavoura é a mais alta que temos. Há poucas semanas, vendi uma saca especial para os Estados Unidos por R$ 1,6 mil. Colhi as sacas que venceram o concurso entre 10 e 21 de novembro de 2014. Os grãos foram secados com casca no terreiro e, depois, no secador”, recorda Sebastião. Na prática, esse tipo de secagem permite que o açúcar da polpa se misture com a semente. A família conta com 280 mil pés de café distribuídos em quatro fazendas, que somam 80 hectares.
Parte dessa terra pertenceu ao pai dos irmãos. O patriarca ganhava a vida com lavouras de arroz. Porém, há cerca de duas décadas, quando o custo da produção ficou acima do valor de mercado do alimento, a família decidiu apostar no café. “Foi a melhor troca que fizemos”, conta Sebastião ao EM, em entrevista por telefone, enquanto curte uma pescaria no Rio Paraná, no interior de São Paulo.
MANTIQUEIRA
As lavouras no trecho da serra que corta o Sul do estado são famosas pela qualidade dos grãos. Tanto que os cinco primeiros lugares da última edição do Cup of Excellence Naturals são da região, cujas características são o clima ameno e solos férteis. A altitude, que oscila de 900 metros a 1.500 metros, favorecem a colheita de grãos exuberantes. Em maio de 2011, uma área formada por 22 cidades conquistou o registro de IP (Indicação de Procedência), concedido pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), que atesta a reputação, a qualidade e outras características do café vinculadas àquela região geográfica.
Mapa a ser traçado
Reivindicação antiga dos cafeicultores mineiros, o governo do estado fará o levantamento qualitativo e quantitativo do parque cafeeiro. O trabalho, até então inédito no Brasil, é popularmente chamado de georreferenciamento e tem como um dos objetivos a atualização periódica da soma de hectares desse tipo de lavoura e da quantidade de grãos a serem colhidos.
Dessa forma, o levantamento permite aos governos a adoção de políticas públicas mais apropriadas à realidade das lavouras pesquisadas. Os produtores, por sua vez, terão a possibilidade de maior lucratividade. Isso porque o georreferenciamento proporciona maior confiabilidade na estimativa da safra anual, o que se reflete no preço do café no cenário internacional.
A intenção do governo é começar o trabalho ainda neste semestre, com previsão de término entre 18 a 24 meses. “Não há no Brasil um levantamento rigoroso (do parque cafeeiro), dada a dificuldade em fazê-lo. Não há um censo certeiro tanto em quantidade de hectares quanto em distribuição espacial”, explica o engenheiro-agrônomo Niwton Castro Moraes, assessor especial da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Ele explica que o trabalho será feito por meio de um instrumento ultramoderno, que permite o uso de imagens de satélite. “Simultaneamente, essas imagens serão referendadas por levantamento de campo (in loco). O produtor terá mais elementos para se firmar na negociação do seu café”, completou.
Ele e os produtores destacam que, no Brasil, há estimativas de safras feitas por diferentes entidades, como a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), além de levantamentos de traders do setor e dos próprios produtores. Houve casos em que a diferença entre a mais baixa e a mais alta chegou a 5 milhões de sacas (de 60 quilos cada), como ocorreu em 2014.
PONTAPÉ
A intenção do governo do estado é que o levantamento estimule os demais estados da Federação a fazer o mesmo, o que pode se refletir no preço internacional do café. “Desejamos que seja expandido para todo o Brasil. O país tem hoje um terço da safra mundial e tudo o que ocorre com o preço do café aqui se reflete no mundo. E, por sua vez, o preço do grão em Minas é determinando no valor do grão no Brasil”, ressaltou Niwton.
A necessidade de que o georreferenciamento seja algo constante em todo o planeta foi proposta pelo secretário mineiro de Agricultura, João Cruz Reis Filho, na última reunião ordinária da OIC (Organização Internacional do Café), em Londres, em março. A proposta é que a entidade realize e divulgue levantamentos e estimativas mundiais anuais da safra. Representantes de diversos países apoiaram a sugestão, classificada como algo realmente necessário. “A bola está com a OIC”, disse Niwton.
Jornal O Estado de Minas