O desempenho do agronegócio de Minas Gerais, ao longo de 2014, deverá manter a trajetória favorável registrada em 2013. A recuperação das economias norte-americana e europeia é um dos fatores que devem impulsionar a demanda pelos produtos da atividade agrícola e pecuária mineira. Porém, fatores como o maior endividamento das famílias, inflação, juros altos e a seca que atingiu as regiões produtoras poderão interferir negativamente no setor.
Em entrevista ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Roberto Simões, fala sobre os principais gargalos a serem superados para que o agronegócio seja alavancado no Estado e no país neste ano. Entre eles, ele cita a necessidade de capacitação da mão de obra, a falta de políticas públicas e a burocracia enfrentada pelos produtores que buscam crédito nas entidades financeiras.
Mineiro de Paraopeba, na região Central do Estado, Roberto Simões é magister scientiae em economia rural e engenheiro agrônomo, formado na UFV (Universidade Federal de Viçosa). Iniciou a carreira profissional na Seapa (Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), como diretor-geral do Centro de Estudos Rurais, entre 1966 e 1974. Em 1978, admitido para chefiar o então Departamento de Estudos Econômicos da Faemg, Roberto Simões começava não apenas uma nova etapa em sua vida profissional, mas uma história de lutas em defesa da classe rural mineira. Atualmente, além de presidir o Sistema Faemg, é presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Quais as expectativas para o agronegócio em 2014?
O ano de 2013 foi considerado positivo para o setor. Para 2014, as expectativas também são boas, mas com algumas diferenças. Por exemplo, a recuperação mais forte da economia da Europa e dos Estados Unidos, de um modo geral, nos favorece. Sempre que esses países melhoram, impulsionam também o desempenho da China, o que significa mais demanda pelos nossos produtos. Por outro lado, esperamos indicadores econômicos
modestos como inflação e juros altos e a seca. Também temos uma visão de que o endividamento das famílias está chegando ao limite, o que significa queda ou estabilidade de compras. Então, esperamos que 2014 seja um ano satisfatório, no entanto, não esperamos recordes. Temos ainda os eventos esportivos, mas que não devem
fazer grandes diferenças no setor.
Como devem ficar as principais atividades do agronegócio mineiro neste ano?
Para o principal produto do agronegócio mineiro, o café, por causa da seca, houve recuperação de preços, o que é saudável, já que estavam muito oprimidos. Mas há também um anúncio de que poderão ocorrer perdas significativas na produção. Em alguns casos, mesmo a planta tendo formado o grão, muitas vezes o tamanho é inferior e defeituoso. O momento atual é de avaliação das consequências. Também temos uma projeção negativa para a safra seguinte, que poderá ser menor também.
No caso do leite , houve grande elevação dos preços por escassez do produto em 2013. Depois, vieram as chuvas, aumentou a oferta e os preços caíram. Agora com a seca, a expectativa é de outra alta de preços. Deve seguir um ano razoável.
Para a produção de grãos, a expectativa é de uma safra nacional recorde de 200 milhões de toneladas, tenho minhas dúvidas se vamos alcançar este volume. Na soja, tínhamos uma expectativa de superar 90 milhões de toneladas, o que faria do Brasil o maior produtor mundial da oleaginosa, contudo, quem plantou soja tardia está registrando altos volumes de perdas . Estamos em momento de levantamento e confirmação das perdas.
Quem plantou a precoce, muito utilizada em Minas Gerais, colheu bem.
Entramos no chamado efeito da seca. Os organismos oficiais, como a Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), estão elaborando um levantamento, que já sinaliza perdas significativas nas culturas de feijão, milho, soja tardia, café, sorgo e até o leite, por causa das péssimas condições das pastagens.
O setor de carnes deve manter os resultados positivos observados em 2013?
A estimativa para o grupo de carnes é bem favorável. Em 2013, ultrapassamos todos os
recordes em relação aos valores das exportações. A demanda segue aquecida e acreditamos que será um ano muito positivo. Mas, no grupo, também teremos problemas com os efeitos da seca, que poderão impulsionar os custos de produção dependendo
do tamanho da perda da safra de grãos.
Qual a expectativa em relação à segunda safra de grãos?
A escassez de água e as altas temperaturas ainda não permitiram que o produtor implantasse a segunda safra de milho e de feijão. No trigo e no sorgo, o receio também é
grande. Para que as lavouras sejam semeadas, é preciso chover significativamente
nos próximos dias, quanto mais tardio o plantio, maior o risco de o cultivo enfrentar novo período de seca.
Qual a avaliação do senhor em relação ao Código Florestal?
O Código Florestal é tudo aquilo que nós esperávamos para caminhar para uma situação
de maior segurança jurídica no campo. Entretanto a nossa grande expectativa é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não sai. Não se sabe porque, mas, como se diz na roça, ?encroou?. Falta o governo federal definir, publicar o ato e fazer valer os prazos, para que o produtor faça o cadastro. Será uma tarefa difícil, grande e dolorosa, porque temos, seguramente, mais de 500 mil propriedades em Minas Gerais. Será um desafio, e sabemos que nós, da iniciativa privada, vamos ter que entrar no processo. O governo não tem instrumentos, no interior, suficientes para resolver a questão.
Como irá funcionar o Cadastro Ambiental Rural?
O prazo para o cadastramento do produtor, após autorização do governo, será de dois
anos, acho difícil conseguir neste período. O CAR é semelhante ao Imposto de Renda
(IR), ou seja, um processo autodeclaratório. O produtor vai declarar as características detalhadas da unidade produtiva. Se o governo validar, tudo bem, está resolvido. Depois do cadastramento terá um processo de validação. Se o governo questionar, terá que comprovar a declaração. Este cadastro precisa ser instalado agora, pois será lento e burocrático. Temos uma caminhada longa para chegarmos à tão desejada segurança jurídica. Acredito que serão gastos em torno de seis anos para cumprir todo este processo.
O setor sucroalcooleiro tem enfrentado o fechamento de usinas em Minas. Oque é preciso ser feito para a retomada dos investimentos e da competitividade?
Temos problemas sérios no setor sucroalcooleiro. A proteção que a política pública tem
sobre a gasolina, retira a competitividade do etanol. Temos aí um grande número de fechamento de usinas e segue o problema. Precisamos de uma política mais adequada. Minas Gerais já se tornou o terceiro maior produtor de açúcar no país, mas enfrenta todos esses problemas.
O que a Faemg tem feito para eliminar o gargalo da falta de mão de obra?
Este é um problema sério. A escassez é ampla e atinge todas as áreas desde gerentes, operadores de máquinas, especialistas, em todos os setores temos dificuldades. Estamos, com um esforço enorme, fazendo a capacitação no nosso SENAR. Somente em 2013, foram capacitadas 170 mil pessoas e, para este ano, pretendemos chegar próximo a 190 mil profissionais atendidos. Os resultados são muito bons. Reconhecemos que ainda precisaria fazer muito mais. Nossa meta é sempre aumentar, desde que os nossos recursos arrecadados permitam. Vamos entrar na fase de treinamento a distância, para ver se conseguimos multiplicar
a nossa capacidade de atendimento.
A demanda pelos cursos é crescente?
É enorme, principalmente para novas áreas, como as florestas. A procura vem principalmente para os cursos de operação de máquinas de colheita nas cultura de cana-de-açúcar e café. Uma nova demanda, que cresce consideravelmente, é
para operadores de colheita florestal, onde são empregadas máquinas caríssimas e não há mão de obra formada. Neste caso, a capacitação é feita no centro de simulação da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina.
A Seapa (Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) está elaborando uma agenda estratégica para o agronegócio até 2030. Quais os pontos principais precisam estar nesta agenda?
O que consideramos em um programa desta natureza são os velhos pontos que estrangulam o agronegócio, como a infraestrutura precária, os programas de assistência técnica que hoje são insuficientes para atender aos produtores e a necessidade
de divulgar e aplicar tecnologia no campo?o que é importante para aumentar a produção sem expansão da área. Outro entrave do país e de Minas Gerais é a irrigação. Estamos absurdamente atrasados em relação ao mundomoderno da agricultura. Em questão da produtividade, a irrigação é fator preponderante e hoje são poucas as áreas irrigadas.
A expansão muitas vezes tem embate com a questão ambiental e Minas Gerais gosta de ser mais severo que os outros Estados. Isso interfere de forma negativa.
Muitos produtores têm migrado para a silvicultura. Isso causa impacto na produção de outras culturas?
A silvicultura é um dos maiores sucessos de Minas Gerais, que já é o maior Estado no plantio de floresta. Esta é uma das grandes opções do segmento, uma vez que não influencia de forma negativa no desenvolvimento de outras atividades e pode ser implantada em áreas de pastagem degradadas. O sistema integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF) é outra opção para o desenvolvimento das florestas plantadas, por ser um programa ambientalmente correto e um bom gerador de receitas, uma vez que o produtor diversifica as cultura, e, por consequência, a renda.
Como está o acesso ao crédito?
Não há como negar que a disponibilidade de recursos tem melhorado nos últimos anos.
Mas, o que prevalece é a luta eterna com a burocracia da questão. A Faemg luta por processos mais simples para que o produtor acesse o crédito. Porém, as instituições financeiras possuem uma forte avaliação de risco. Basta o produtor apresentar um problema anterior, como por exemplo uma recomposição do fluxo devido à seca, que o banco o reclassifica em um hall de risco que torna o acesso ao crédito oficial praticamente impossível. A situação é difícil. Temos um quadro em que há a disponibilidade de crédito, mas há dificuldades de tomadores. O produtor que necessita do recurso acaba buscando outras fontes, onde os juros são altíssimos.
De que forma os subsídios da Europa e dos Estados Unidos têm impactado no agronegócio do país?
Subsídios sempre são prejudiciais, por reduzirem a nossa competitividade. Com a crise que houve, existe uma tendência de a Europa e os Estados Unidos arrefecerem o volume de subsídios. Mas, oliticamente, é muito difícil de eliminar esses subsídios. Ao contrário do Brasil, esses países valorizam os produtores. Quem teve problemas passados de guerra e de fome tem um apreço especial em relação à segurança alimentar. Reduzir a zero é uma tarefa utópica.
Fonte: Diário do Comércio