O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), Antônio de Salvo, diz que o setor deve trabalhar a integração da cadeia produtiva
A produção agropecuária brasileira teve resultados expressivos em 2021, num mercado internacional ainda afetado pelos efeitos da pandemia de COVID-19 sobre a economia. As exportações do agronegócio apuraram receita de US$ 120,6 bilhões, impulsionadas pela forte demanda de soja e do açúcar na Europa e na Ásia. A expectativa para 2022 é que o país possa contar com desempenho ainda melhor do agronegócio, afirma o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Antônio Pitangui de Salvo.
Eleito para comandar a entidade nos próximos quatro anos, o engenheiro-agrônomo de 57 anos se anima com a possibilidade de Minas Gerais e o Brasil ampliarem, principalmente, as vendas externas de carne.
“A perspectiva é sempre boa. O agronegócio como um todo vai crescer muito, pois vamos amadurecer, aprender a conversar entre as cadeias, ter gestão mais profissional e melhorar nossa imagem”, avalia. Antônio de Salvo se mostra também preocupado com o protecionismo de mercados e os elevados níveis de desmatamento no planeta, convencido de que existe uma campanha deliberada contra o Brasil. “A perseguição ambiental é gigante, porque o mundo devastou tudo o que tinha.” Nesta entrevista ao Estado de Minas, ele fala também sobre a inflação, o corte de parte do seguro agrícola feito pelo Congresso e a elevação dos custos de produção nos últimos anos.
O agronegócio bateu recorde de exportações em 2021, com receita superior a US$ 120 bilhões. Qual o balanço que o senhor faz desses números?
Vamos pensar primeiro pelo lado positivo. Esse slogan usado na pandemia dando conta de que o “agronegócio não parou” é verdade. Ele não pode parar. Você não pode impedir um crescimento vegetativo de uma planta de soja, de milho ou de algodão. Você não pode impedir a gestação e lactação de uma vaca. E você não pode determinar que uma granja de frangos encerre seu trabalho no meio do ciclo. E falo sempre que o campo, antes um lugar entediante, se transformou em lugar seguro, principalmente no começo da pandemia. Isso fez com que o agronegócio brasileiro, pela própria presença do agricultor dentro das propriedades, tivesse mais eficiência. Há uma correlação de melhorias de gestão com a presença do homem do campo lá dentro. Os números positivos da exportação se deram porque, primeiro, somos um país essencialmente agrícola e pecuário. É remar a favor da maré. É sempre bom lembrar que a soja e o algodão foram melhorados pelas condições do cerrado brasileiro. A pecuária também. As vaquinhas que temos são indianas, o que corresponde a 80% do rebanho brasileiro e os capins são africanos. Isso não estava no Brasil e o produtor só usufruiu deles. Trouxemos e melhoramos. Já o ponto negativo é que existe um desequilíbrio dentro dos elos dos segmentos das cadeias produtivas, onde o que sobra de receita para o setor primário normalmente é pequeno. Há um estudo americano que prova que a cada US$ 100 gastos nas determinadas cadeias, US$ 93 ficam nas agroindústrias e somente US$ 7 ficam no setor primário. Precisamos melhorar e equilibrar isso, porque senão você tem uma visão ampla do agronegócio muito boa, mas uma visão do produtor ainda passando por dificuldades para se manter com rentabilidade e qualidade de vida.
Como é possível solucionar esse equilíbrio?
Falta diálogo entre as cadeias. Temos a cadeia do leite, do café, da carne… Você pode pegar uma lista de produtos, principalmente em Minas, mas se não tivermos um relacionamento com as cadeias que existem até hoje, é mais difícil. A cafeicultura conversa mal com as cooperativas, os produtores conversam mal com os laticínios e as cooperativas de leite, o produtor de carne bovina conversa mal com os frigoríficos. Eles têm relacionamento não amistoso. Não precisamos ser amigos, mas precisamos de lealdade dentro da cadeia. Esse elo é fundamental para a produção brasileira. Melhoramos de vida, aprendemos a ter gestão melhor, a usar mais tecnologia dentro do campo, mas as cadeias precisam interagir melhor, inclusive para a sociedade urbana, que consome nossos alimentos.
Qual é a expectativa que o senhor tem para 2022, tendo em vista os desafios impostos por barreiras fitossanitárias e a proteção de mercados?
São dois problemas em que vamos ser eternamente perseguidos. O primeiro é a questão ambiental. Preservamos 66% de nossas áreas brasileiras se somarmos o que temos de reserva dentro das propriedades, de áreas indígenas e do governo federal. A perseguição ambiental é gigante, porque o mundo devastou tudo o que tinha, principalmente a Europa, que tem em média 5% de área preservada. Eles tiraram e não querem que nós tiremos. A questão sanitária é outra pressão. Ambas canalizam para uma coisa chamada mercado. A partir do momento em que o Brasil ultrapassa os EUA na produção de soja, passa a ser o maior exportador de carne, começa a incomodar os países que antes eram os maiores exportadores, como Argentina, Uruguai, Austrália e Irlanda. Você começa a levar um produto barato, de qualidade espetacular e sustentável. Se está difícil concorrer mercadologicamente com os fazendeiros brasileiros, vamos começar a falar que o gado não tem saúde e tem problemas sanitários. Os produtores têm de ficar atentos, para que possamos defender e validar nacional e internacionalmente a qualidade sanitária do nosso rebanho, que é muito boa. E, mais do que isso, temos uma coisa que o mundo inteiro não tem. O Brasil tem qualidade de bem-estar animal. As fazendas de Minas, São Paulo ou Mato Grosso contam com pastos verdes, árvores, com uma boiada deitada na sombra, comendo braquiária limpa e bebendo água limpa. O agronegócio como um todo vai crescer muito, pois vamos amadurecer, aprender a conversar entre as cadeias, ter gestão mais profissional e melhorar nossa imagem junto do homem urbano.
As elevações dos custos de produção, por sua vez, servem de justificativa para os alimentos que chegaram mais caros à mesa do consumidor em 2021. Como o ano começou para o setor desse ponto de vista?
Alguns produtos estão em falta porque a população mundial ficou sem trabalhar um ano. Houve aumento de insumos, como a energia elétrica, seca, dólar e óleo diesel, e essa conta chegou agora. Infelizmente, apesar de o agronegócio não ter parado, a alta dos insumos alcançou entre 50% e 70% e isso implica o custo maior do produto final. Ninguém quer isso. Engana-se quem pensa que vendemos carne pelo preço atual e estamos ganhando dinheiro. Nossa margem talvez tenha diminuído. O segmento todo ficou parado. E a população está impedida de comprar a quantidade necessária dos produtos que ela queria. Isso não é bom para ninguém. Mas tudo vai tender a voltar para a normalidade em breve, desde que a pandemia seja entendida como endemia.
Além da liderança do Brasil em produtos como soja e carnes, as exportações de frutas conquistaram recorde inusitado. Como o senhor avalia o potencial do setor neste ano?
Uma fruta, como manga, abacaxi ou qualquer outra, precisa de água para sobreviver e crescer e, depois que vira fruto, do brix (doce). Somos e seremos um grande produtor de frutas tropicais, principalmente. Vamos abastecer o mundo com frutas de qualidade e muito bem produzidas de forma sustentável e com técnicas de irrigação importadas de Israel, com gotejamento enterrado, que gasta pouquíssima água. A fruticultura mineira e brasileira tem um pacote tecnológico muito bacana. Vamos crescer muito também na produção de mel, sobretudo nesta pandemia, quando as pessoas começaram a ingerir mais própolis para a garganta.
A inflação dos alimentos tem sido atribuída, em boa parte, como no caso das carnes e do óleo de soja, à boa performance das exportações desses produtos. Há motivos para que o consumidor deixe de esperar o mesmo comportamento neste ano?
Havia um tempo em que a culpada pela inflação era a cebola. Depois, a culpa era do alho. A inflação se deve à paralisação do trabalho mundial. Todos os produtos aumentaram de preço, puxados pela alta do dólar. Culpar alguns bodes expiatórios é injusto. Vale lembrar que, no caso da carne, passamos por um longo período de preços abaixo da média histórica. E o que aconteceu? Quando você produz e não está sendo bom negócio, mata a matriz. A partir do momento em que tem um número de abates maior que o normal no Brasil, 42% ou 43%, e passa de 55%, diminui o rebanho reprodutivo e a curva de bezerros vai cair. Consequentemente, cai também a curva de bois magros e gordos. Logo, o mercado puxará o preço para cima. Culpar carnes e grãos não é verdade.
O seguro rural entrou no rol de cortes promovidos no Orçamento de 2022. O Congresso aprovou R$ 990 milhões, abaixo da quantia de R$ 1,5 bilhão prometida. O senhor tem esperança de que a redução seja revertida?
Tenho esperança de que o Brasil caminhe para a frente de uma forma justa, correta e equilibrada. Sabemos que temos um país com riquezas naturais boas, com a maior reserva de água doce do mundo, sem maremotos, tufões, terremotos ou furacões. Temos um povo que em sua grande maioria é ordeiro, honesto e trabalhador, vivendo num país com muitas oportunidades. Não tenho a menor dúvida de que o seguro vai voltar, como as finanças brasileiras, desde que tenhamos governantes que olhem para todos de forma igual. Quem não quer uma melhoria de vida? Desde a classe E e a A, todos querem melhorar. Mas temos 42 milhões de pessoas sem saneamento básico. Temos pessoas abandonadas na Amazônia sem contatos com médicos e internet. Não é justo. Temos a indústria da seca, que há 50 anos vive de abastecimento de caminhões-pipa. As melhorias passam pelo aumento do seguro de safra. Queríamos R$ 10 bilhões em vez de R$ 1,5 bilhão e de reservas financeiras. Para isso, precisamos gerar riquezas e elas surgirão com uma gestão decente do país.
Segundo os meteorologistas, a seca, que atingiu boa parte do país no ano passado, promete ser ainda mais intensa a partir de abril. Como os produtores vão se preparar para esse período?
No ano passado, tivemos uma seca a partir de fevereiro, que foi algo muito anormal. Quase não houve chuva em março e, a partir de abril, não choveu nada. Perdemos milho em toda a região central, no Paranaíba… E a cafeicultura sofreu muito, principalmente no Sul de Minas, onde os cafés não são irrigados. Depois, vieram as geadas. Este ano, há expectativa boa de chuva, acima da média normal em algumas regiões. Será normal se a chuva se encerrar em abril ou maio. Não vejo a questão climática como um possível problema. Tivemos seca em 1908, quando não tínhamos desmatamento ou eucaliptos. Temos de nos prevenir, ter mais maturidade e conhecimentos para que algumas lavouras sejam melhor utilizadas. O seguro agrícola ainda é muito pouco utilizado no Brasil. Precisamos de mais garantias de ressarcimento para o investimento que os produtores fizeram. Não tenho medo de efeitos climáticos. Tenho medo de efeitos políticos.
Qual será o maior desafio da Faemg em seu mandato?
É uma responsabilidade muito boa. O Roberto (Simões, ex-presidente, que ficou 16 anos no cargo) fez uma administração muito correta, pois a casa está muito organizada, com um nome, mas o que vemos é uma necessidade de transformar essa casa em algo mais eficaz, no que diz respeito à atuação junto ao produtor rural, nosso homem do campo, que está muitas vezes distante de Belo Horizonte. O principal slogan de nossa campanha é “Menos BH, mais interior”. Notamos que o distanciamento da pandemia foi aumentado em relação à pouca conectividade entre o sistema Faemg com os sindicatos do homem do campo. Estamos fazendo a aproximação para que essa sensação de pertencimento esteja mais viva dentro do nosso produtor rural. Esse afastamento pode ter ocorrido por vários motivos, por acomodação, por distanciamento ou por empatia. Não quero julgar isso. Tenho o diagnóstico de que esse afastamento existe, já que visitamos 40 mil quilômetros em todo o estado.
Entrevista a Roger Dias – jornal O Estado de Minas / Portal UAI
Extraído de publicação do Portal UAI e jornal O Estado de Minas
Publicação original no link abaixo:
Relacionado